quarta-feira, 4 de maio de 2011

Divagações 2011 - Irreversível

Irreversível

Barriga cheia, cardápio esquecido. Após o almoço fui até o quarto. Pijama e pés descalços, como de costume. Abri a pequena gaveta de madeira, depois olhei para os modelos pendurados no cabide, então lancei alguns pares ao chão e escolhi os adereços para sair. Insisti em perfurar a orelha alérgica com o brinco de penas, calcei as sandálias velhas de couro e pendurei na transversal a bolsa de mesma origem.

Pronto, pensei. Mas, que nada! Quis olhar só mais uma vez o espelho, só mais uma. E foi fatal: enxerguei as penas e o couro, sentei. E agora? A palestra começaria em duas horas, conduzida por Nina Rosa, grande defensora dos direitos dos animais. Pronto, o conflito instalara-se.

Dois anos, e alguns detalhes da trama se perderam na memória, assim como os ‘espetinhos de gato’ que abandonei nas calçadas. Amassei as penugens novamente dentro da gaveta, já que, coloridas, despertariam mais a atenção. Naquela tarde, “Educação para a Paz Ambiental” transbordou o público com informações espinhosas, em contraste com a fala suave da palestrante.

Nos meses seguintes, a consciência não se aquietou. Ainda que familiarizada, há pelo menos cinco anos, com a ideia de um dia não mais comer carne – e que a ruptura tenha sido branda – a decisão causou reboliço. Um combate infindável com os resquícios medievais que trouxeram a peça como símbolo de fartura e nobreza, enraizando culturalmente o consumo.

Sim, eu imaginava que, além da estupefação, os vegetarianos são um playground de gozações e desafios – ainda que, de certo modo, admirados por alguns. Harmonizam gesto e consciência, enquanto são açoitados à mesa pela sociedade do churrasco. Para uns, parar pode ser radical de mais e nem ter sentido; para outros, mastigar animais é inconcebível. Mas vamos lá: respeito pelo prato ao lado – já que não pela saúde, pelos animais, pelo planeta...

Aos poucos descobri a balela que é a pressão social se comparada aos próprios pensamentos. Há quem diga que ser vegetariano é ir além da alimentação para olhar o mundo de uma forma mais ampla e é por aí que segue a trama - ou o drama. Dia desses, me deparei com um texto perfeito. “A Quase Vegetariana”, em tom cômico e perturbador, tirou do baú a gelatina, a glicerina, os pincéis, cosméticos e medicamentos, filmes fotográficos e de cinema - todos com contribuições invisíveis do mundo animal. A identificação com a personagem foi absurda.

Não, por incrível que pareça, a pregação não faz meu tipo. Então, quem sabe eu pudesse tentar ignorar algumas coisas?! E seria tão mais fácil enxergar com inocência a produção da saborosa carne de vitela ou do patê de foie gras. Acreditar que o mundo animal é fidedignamente representado nas embalagens de salsicha, por exemplo, com porquinhos cor-de-rosa, esbeltos e saltitantes. Poderia enfim, cerrar os olhos para as estatísticas, sem dó, passando uma borracha em tantos dados sobre os malefícios da produção da carne ao meio-ambiente.

Bobagem. Perda de tempo. O movimento caótico e expansivo da percepção é irreversível. Não olhar, mesmo para o ‘invisível’, parece um caminho vazio de possibilidades. Quando uma fresta se abre, parece irreversível...


PS: (CENSURADAAAAAAAAAAAA) ...rsrs

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